Barco

Barco Era uma manhã de sexta feira. O dia prometia muitas tribulações. A lembrança da tarde anterior parecia colada na sua mente. Pensamentos... pensamentos. Ele procurou desliga-los, um interruptor, que desse, pelo menos, a ilusão que a paz que ele via a sua volta, poderia ser reproduzida por dentro. O pior de tudo era o silêncio, era como a calmaria antes da tempestade, aquela melhora que diversos pacientes terminais vivem, antes que a vida os feche os olhos. Qual é, realmente, o sentido de tudo isso? Parecia que a cada esquina de pensamento, encontrava-se essa pergunta. E ele sabia-se que essa pergunta era, traiçoeira, perigosa. Ao empurrar o navio como um forte vento, a sensação é de sucesso. Mas nada garante que a direção é a certa. Existe uma grande diferença entre o que é certo e o que é desejado. Retorno. Mais silêncio. Retorno. Fraqueza. De novo ao retorno. Coragem. Os dias passaram e o tempo revelou-se como algo que se aproxima sorrateira e pacientemente, até que, de inesperado, surge um presente totalmente diferente daquele que se havia visionado. Não se reconhece o toque, o gosto, a visão. São memórias, recordações que dizem: Faça isso, não faça aquilo. Mecanizado, o navio agora segue não controlado por um vento, mas por engrenagens, que nunca cessam, e que possuem apenas um destino. A chuva cai. O presente já havia chegado, irreconhecível. O relógio, porém, por mais que se deseje, não congela. O tempo não dá àqueles que tanto lhe observam, lhe temem, lhe antecipam, qualquer tipo de atenção. A todos nos afeta igualmente. Passa. Como funciona o coração humano? Como funciona a vela de um barco? Onde levam as engrenagens? Sempre a espera de algo que o encaminha. Bastemos achar os remos, que nos levamos, ao acerto ou ao erro, mas nos levamos. Pouco sentido há na chegada, muito mais profunda é a jornada.