As sociedades primitivas sem estados
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As sociedades primitivas são sociedades sem Estado: esse julgamento de fato, em si mesmo correto, na verdade dissimula uma opinião, um juízo de valor, que prejudica então a possibilidade de constituir uma antropologia política como ciência rigorosa. O fato que se enuncia é que as sociedades primitivas estão privadas de alguma coisa – o Estado – que lhes é, tal como a qualquer outra sociedade - a nossa, por exemplo - necessária. Essas sociedades são, portanto, incompletas. Não são exatamente verdadeiras sociedades - não são policiadas -, e subsistem na experiência talvez dolorosa de uma falta - falta do Estado - que elas tentariam, sempre em vão, suprir. De um modo mais ou menos confuso, é isso mesmo o que dizem as crônicas dos viajantes ou os trabalhos dos pesquisadores: não se pode imaginar a sociedade sem o Estado, o Estado é o destino de toda sociedade. Descobrese nessa abordagem uma fixação etnocentrista tanto mais sólida quanto é ela, o mais das vezes, inconsciente. A referência imediata, espontânea 'é, se não aquilo que melhor se conhece, pelo menos o mais familiar. Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a sociedade existe para o Estado. Como conceber então a própria existência das sociedades primitivas, a não ser como espécies à margem da história universal, sobrevivências anacrônicas de uma fase distante e, em todos os lugares há muito ultrapassada? Reconhece-se aqui a outra face do etnocentrismo, a convicção complementar de que a história tem um sentido único, de que toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização “Todos os povos policiados foram selvagens”, escreve Raynal. Mas o registro de uma evolução evidente de forma alguma fundamenta uma doutrina que, relacionando arbitrariamente o estado de civilização com a civilização do Estado, designa este último como termo necessário atribuído a toda sociedade.