As dificuldades desnecessárias e seu papel discriminador
Ferreiro destaca que as crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais dedicam seus melhores esforços intelectuais).
São os adultos que têm dificultado o processo imaginando seqüências idealizadas de progressão cumulativa, estimulando modos idealizados de fala que estariam ligados à escrita e construindo definições de “fácil” e de “difícil”, que nunca levaram em conta de que maneira se define o fácil e o difícil para o ator principal da aprendizagem: a criança. Tudo isso tomou o processo mais difícil do que deveria ser, produziu fracassos escolares desnecessários, estigmatizou uma grande parte da população e transformou a experiência de alfabetização em uma experiência literalmente traumática para muitas crianças.
Para Ferreiro, não há nenhuma prova empírica que permita concluir que é necessário certo tipo de pronúncia para ter acesso à língua escrita. Melhor dizendo, a experiência empírica mostra o contrário: nos diferentes países latino-americanos de língua espanhola, os grupos privilegiados da população se alfabetizam sem dificuldade, apesar das marcadas diferenças dialetais que existem entre as chamadas “formas cultas” de fala desses diferentes países.
Toda escrita alfabética tem como princípio fundamental marcar as diferenças sonoras através de diferenças gráficas, mas no desenrolar histórico se produzem inevitavelmente defasagens entre esse princípio geral e as realizações concretas dos usuários.
Isto se dá por duas razões: a primeira tem a ver com uma variável temporal - as ortografias das línguas escritas evoluem muito mais lentamente do que a fala; a segunda razão é de caráter espacial na medida em que uma língua se estende a um número crescente de usuários dispersos numa área geográfica ampla, surgem variantes dialetais que se