Artigo
MACUNAÍMA E A ORGANIZAÇÃO DA BAGUNÇA NACIONAL
Ivan Marques Universidade de São Paulo, Brasil
Macunaíma, de Mário de Andrade, o livro mais importante do modernismo brasileiro, é uma admirável colcha de retalhos. As obras modernas, como se sabe, são geralmente de gênero híbrido ou indeterminado. O seu caráter moderno — a invenção, a inovação — está ligado justamente à possibilidade de permanecer dentro dos gêneros e, ao mesmo tempo, tensionar esses limites, fazê-los implodir. No caso de Macunaíma, como observou a crítica Leyla Perrone-Moisés, “o caráter híbrido é constitutivo do próprio projeto e inerente à sua significação”. É por essa razão que o significado do livro, de acordo com a ensaísta, deve permanecer “em aberto, como em todas as grandes obras modernas”.1 A convicção de que o nosso livro mais “nacional” (o que não quer dizer que também seja “nacionalista”) é uma obra inclassificável se tornou um dos lugares comuns da fortuna crítica de Macunaíma. O próprio autor não sabia se chamava sua obra de “história”, “romance folclórico”, “romance popular”, “romance poético” etc. Preferiu, finalmente, caracterizá-la como “rapsódia”. Mário de Andrade foi um defensor ardoroso do nacionalismo estético, um artista empenhado na busca da “diferença brasileira”. A base dessa diferença é a mistura, que está presente na narrativa em todos os níveis: na mistura de gêneros,
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Leyla Perrone-Moisés, “Macunaíma e a ‘entidade nacional brasileira’”. In: Vira e mexe nacinalismo: paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 197.
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na confusão de tempos e espaços, no cruzamento do erudito com o popular, na indeterminação das personagens, na linguagem misturadíssima, no gosto pelas enumerações etc. Tempo, espaço, personagens, vocabulário, tudo é indeterminado, tudo oscila entre o mito e a realidade. Macunaíma é um ser híbrido. Não é adulto nem criança — e foi formado pelo caldeamento das três raças brasileiras: o branco, o índio e o