Artes
-O Lobo Neves, a princípio, metia-me grandes sustos.
Pura ilusão! Como adorasse a mulher, achava que Virgília era a perfeição, um conjunto de qualidades solidas um modelo.
-Sei o que lhe digo.
Não pode imaginar o que tenho passado.
Entrei na política por gosto, por família, por ambição, e um pouco por vaidade.
-Mas aquilo é uma podridão.
Não há constância de sentimentos, não há gratidão, não há nada... nada... nada...
-Desculpe o desabafo, tinha um negócio que me mordia o espírito mas.... -Mas que prazer senhores.
-Deve ser um vinho bem enérgico a política, dizia eu comigo, ao sair da casa de Lobo Neves; e fui andando, fui andando, a té que na Rua dos Barbonos vi uma sege, e dentro um dos ministros, meu antigo companheiro de colégio.
- Por que serei eu ministro?
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-Ministro de Estado!
E Virgília que havia de gostar!
-Aposto que me não conhece, senhor doutor Cubas?
-Sou o Borba, o Quicas Borba.
- Era o Quincas Borba, o gracioso menino de outro tempo, o meu companheiro de colégio, tão inteligente e abastado. Não podia acabar de crer que essa figura esquálida, essa barba pintada de branco, esse maltrapilho avelhentado, que toda essa ruína fosse o Quincas Borba.
-Não me lembro
-Não é preciso contar-lhe nada, o senhor adivinha tudo uma vida de misérias.
-Lembra-se das nossas festas, em que figurava sempre de rei?
Acabo mendigo...
-Não havia nele a resignação cristã, nem a conformidade filosófica.
-Parece que a miséria lhe calejara a alma, a ponto de lhe tirar a sensação da lama.
-Procure-me poderei arranjar-lhe alguma coisa.
-Não é o primeiro que me promete alguma coisa, replicou, e não sei se será o último que não me fará nada.
E para quê? Eu nada peço, a não ser dinheiro; dinheiro sim, porque é necessário comer.
-Olhe, ainda hoje não almocei.
-Não?
-Não; sai muito cedo de casa.
Sabe onde moro?