Argentina
Literatura e subdesenvolvimento
Literatura e subdesenvolvimento
Antonio Candido
CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989. p. 140-162:
Literatura e subdesenvolvimento.
Comentário e hipertextos: Célia Pedrosa (UFF)
LITERATURA E SUBDESENVOLVIMENTO
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Mário Vieira de Mello, um dos poucos que abordaram o problema das relações entre subdesenvolvimento e cultura, estabelece para o caso brasileiro uma distinção que também é válida para toda a América Latina. Diz ele que houve alteração marcada de perspectivas, pois até mais ou menos o decênio de 1930 predominava entre nós a noção de "país novo", que ainda não pudera realizar-se mas que atribuía a si mesmo grandes possibilidades de progresso futuro. Sem ter havido modificação essencial na distância que nos separa dos países ricos, o que predomina agora é a noção de "país subdesenvolvido". Conforme a primeira perspectiva salientava-se a pujança virtual e, portanto, a grandeza ainda não realizada. Conforme a segunda, destaca-se a pobreza atual, a atrofia; o que falta, não o que sobra1.
As conseqüências que Mário Vieira de Mello extrai desta distinção não me parecem válidas, mas tomada em si ela é justa e auxilia a compreender certos aspectos fundamentais da criação literária na América Latina. Com efeito, a idéia de país novo produz na literatura algumas atitudes fundamentais derivadas da surpresa, do interesse pelo exótico, de um certo respeito pelo grandioso e da esperança quanto às possibilidades. A idéia de que a América constituía um lugar privilegiado se exprimiu em projeções utópicas que atuaram na fisionomia da conquista e da colonização; e Pedro Henríquez Urena lembra que o primeiro documento relativo ao nosso continente, a carta de Colombo, inaugura o tom de deslumbramento e exaltação que se comunicaria a posteridade. No século XVII, misturando pragmatismo e profetismo, Antonio Vieira aconselhou a transferência da monarquia portuguesa para o Brasil, que