Anél de giges
Platão
— Falar a favor da justiça, como sendo superior à injustiça, ainda não o ouvi a ninguém, como é meu desejo — pois desejava ouvir elogiá-Ia em si e por si. Contigo, sobretudo, espero aprender esse elogio. Por isso, vou fazer todos os esforços por exaltar a vida injusta; depois mostrar-te-ei de que maneira quero, por minha vez, ouvir-te censurar a injustiça, e louvar a justiça. Mas vê se te apraz a minha proposta.
— Mais do que tudo — respondi —. Pois de que outro assunto terá mais prazer em falar ou ouvir falar mais vezes uma pessoa sensata?
— Falas à maravilha — disse ele —. Escuta então o que eu disse que iria tratar primeiro: qual a essência e a origem da justiça.
Dizem que uma injustiça é, por natureza um bem, e sofrê-Ia, um mal, mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-Ia. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas. Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições da lei. Tal seria a génese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem — não pagar a pena das injustiças — e o maior mal — ser incapaz de se vingar de uma injustiça. Estando a justiça colocada entre estes dois extremos, deve, não preitear-se como um bem, mas honrar-se devido à impossibilidade de praticar a injustiça. Uma vez que o que pudesse cometê-Ia e fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a convenção de não praticar nem sofrer injustiças, pois seria loucura. Aqui tens, ó Sócrates, qual é a natureza da justiça, e qual a sua origem, segundo é voz corrente.
Sentiremos melhor como os que observam a justiça o fazem contra vontade, por impossibilidade de cometerem injustiças, se imaginarmos o caso seguinte. Dêmos o poder de