Análise música fado tropical
Essa música, composição de Chico Buarque e Ruy Guerra para o musical “Calabar – O elogio da traição”, é uma das maiores obras da poesia musicada brasileira que eu conheço. Foi escrita entre 1972 e 1973, sob censura do regime militar. A história por trás do musical é bastante interessante, mas Fado Tropical, por si só, é um fenômeno.
A música fala claramente do Brasil, sobre o lirismo, a DST e o estilo musical que herdamos de Portugal. De cara percebe-se uma divisão na canção, com duas vozes diferentes cantando coisas diferentes. De um lado, um cantor (versos em itálico) coloca em palavras as características e as belezas de uma terra semelhante a Portugal (ou seria o próprio Portugal transplantado?). De outro lado, um narrador (versos entre aspas), herdeiro do sangue português, declama desabafos e justifica a crueldade de seus atos.
[Permitam-me uma conjectura tosca: estaria o primeiro (o cantor) ecoando as Raízes do Brasil, do pai do Chico Buarque? Ou talvez o segundo estivesse dialogando com Sérgio Buarque, ao descrever sua herança de “homem cordial”? Fato é que Fado Tropical mostra a ligação intrínseca do povo brasileiro com suas raízes portuguesas, raízes essas presentes e que fundamentam ainda hoje as relações entre Brasil, Portugal e PALOP.]
O segundo, o narrador, é a grande estrela da música. Seu poema difere do primeiro: é mais impressionista, lírico, íntimo, mais dramático. Não canta suas estrofes, apenas declama-as. Ao mesmo tempo que desabafa a desumanidade seus atos, busca justificar-se, salvar-se em sua sensibilidade e... bondade? Ele não consegue equilibrar sentimentos e atitudes (ou seria dever?). Ele age como que por impulso, por ordem superior, ou por inércia. O fado se aprofunda quando ele fala, puxa o ouvinte para o fundo do poço de culpa e remorso que ele sente.
Por duas vezes, ele fala ao público. Na primeira se apresenta, se mostra. Na segunda, com versos em forma de soneto, aprofunda o conhecimento de seu estado