Antonio Candido
Antônio CândidoNão vem de hoje o interesse pela relação entre literatura e sociedade. Em nossos dias, contudo, não há quem neste campo conceba uma ligação mecanicista entre estas duas categorias. Assim, a literatura ganha especialmente um grau de autonomia ao deixar de se tornar um mero epifenômeno da realidade social em que foi forjada. Contudo, dizer isso não significa que o problema esteja resolvido, pois a natureza deste vínculo continua sendo matéria de polêmica entre muitos estudiosos. Nesse sentido, o intuito deste ensaio não é adentrar em terreno tão pantanoso, mas sim especular a respeito do argumento que sustenta que a literatura “como sistema” funciona ao mesmo tempo como elemento de constituição identitária e expressão de identidades, sejam elas regionais ou nacionais. Este argumento é especialmente caro à obra do crítico literário e sociólogo Antônio Cândido, que passarei a comentar a seguir.
Através da idéia de sistema, Cândido procura apontar o surgimento das obras não como fenômeno pontual, expressão individual, mas como um evento de natureza sociológica, pois relacionado ao contexto social e/ou ideológico em que a obra foi formada. Em Dialética da malandragem (1993), ele endossa a tese de Darcy Damasceno (1956) de que a obra Memórias de um Sargento de milícias não deveria ser identificada nem como um realismo antecipado, nem como um romance picaresco atrasado. Segundo Cândido, características gerais do pícaro espanhol não se confirmariam na obra de Manuel de Almeida, apesar de o personagem Leonardo chamar a atenção por ocupar o tropo literário de “malandro”. Leonardo é, na verdade, um anti-pícaro, pois, nas palavras de Cândido, “nada aprende com a experiência”(p.23), sendo apresentado desde o início como malandro amolecido por normas e regras sociais flutuantes, marcas de uma sociedade em que os imperativos morais não operariam perfeitamente. Se optarmos, por exemplo, de levar ao