America
A descoberta da América (que ainda não houve)
A descoberta da América (que ainda não houve) Eduardo Galeano
GALEANO, Eduardo. A descoberta da América (que ainda não houve). 2ed. Trad. Eric Nepomuceno. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1990. p.7 - 45. Série Síntese Universitária. Comentário e Hipertexto: Renata Fraga dos Santos (UFRGS) A DESCOBERTA DA AMÉRICA (que ainda não houve) A DEFESA DA PALAVRA 1. Escrevemos a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os demais, para denunciar o que dói e compartilhar o que dá alegria. Escrevemos contra a nossa própria solidão e a solidão dos outros. Supomos que a literatura transmite conhecimento e atua sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe; que nos ajuda a conhecer-nos melhor para salvar-nos juntos. Mas "os demais" e "os outros" são termos demasiado vagos; e em tempos de crise, tempos de definição, a ambigüidade pode se parecer demais à mentira. Escrevemos, na realidade, para as pessoas com cuja sorte, ou azar, nos sentimos identificados. Os que comem mal, os que dormem mal, os rebeldes e humilhados desta terra, e a maioria deles não sabe ler. Entre a minoria que sabe, quantos dispõem de dinheiro para comprar livros? Pode-se resolver esta contradição proclamando que escrevemos para essa cômoda abstração chamada "massa"? 2. Não nascemos na Lua, não moramos no sétimo céu. Temos a alegria e a desgraça de pertencer a uma região atormentada do mundo, a América Latina, e de viver num tempo histórico que nos golpeia com força e dureza. As contradições da sociedade de classes são, aqui, mais ferozes que nos países ricos. A miséria generalizada é o preço que os países pobres pagam para que seis por cento da população mundial possa consumir impunemente a metade da riqueza gerada pelo mundo inteiro. É muito maior a distância, o abismo, que se abre na América Latina entre o bem-estar de poucos e a desgraça de muitos; e são mais selvagens os métodos necessários para manter essa