Abcd
- Primeira parte
Há um instituto do direito romano que, de certa forma, pode ser considerado o arquétipo do moderno estado de exceção, denominado iustitium. Visto que permite observar o estado de exceção em sua forma paradigmática, serve como um modelo em miniatura para tentar explicar as aporias que a teoria moderna do estado de exceção não consegue explicar.
Quando tinha notícia de alguma situação que punha em perigo a República, o Senado emitia um senatus consutum ultimum, por meio do qual pedia aos cônsules (ou a seus substitutos em Roma) e, em alguns casos, aos pretores e aos tribunos da plebe e, no limite, a cada cidadão, que tomassem qualquer medida necessária para a salvação do Estado. Esse senatus-consulto tinha por base um decreto que declarava o tumultus (isto é, a situação de emergência em Roma, provocada por uma guerra externa, uma insurreição ou uma guerra civil) e dava lugar, habitualmente, à proclamação de um iustitium.
O termo iustitium significa literalmente “interrupção, suspensão do direito”, quase um intervalo e uma espécie de cessação do direito. Implicava, pois, uma suspensão não apenas da administração da justiça, mas do direito enquanto tal. É o sentido desse paradoxal instituto jurídico, que consiste unicamente na produção de um vazio jurídico, que se deve examinar aqui, tanto do ponto de vista da sistemática do direito público quanto do ponto de vista filosófico-político.
Nissen demonstra que o termo remete a uma situação de exceção, a partir do momento em que são suspensas as obrigações impostas pela Lei à ação dos magistrados. O iustitium suspende o direito e, a partir disso, todas as prescrições jurídicas são postas de lado. Quanto ao objetivo dessa neutralização do direito, Nissen não tem dúvidas em afirmar que “quando o direito não estava mais em condições de assumir sua tarefa suprema, a de garantir o bem comum, abandonava-se o direito por medidas adequadas à situação e,