9 Em Defesa Da Fam Lia Tentacular
2003
Em defesa da família tentacular*
[1]
Uma das queixas que os psicanalistas mais escutam em seus consultórios é esta: “eu queria tanto ter uma família normal...!” Adolescentes filhos de pais separados ressentem-se da ausência do pai (ou da mãe) no lar. Mulheres sozinhas queixam-se de que não conseguiram constituir famílias, e mulheres separadas acusam-se de não ter sido capazes de conservar as suas. Homens divorciados perseguem uma segunda chance de formar uma família. Mães solteiras morrem de culpa porque não deram aos filhos uma “verdadeira família”. E os jovens solteiros depositam grandes esperanças na possibilidade de constituir famílias diferentes – isto é, melhores – daquelas de onde vieram.
Acima de toda essa falação, paira um discurso institucional que responsabiliza a dissolução da família pelo quadro de degradação social em que vivemos.
Os enunciadores desses discursos podem ser juristas, pedagogos, religiosos, psicólogos. A imprensa é seu veículo privilegiado: a cada ano, muitas vezes por ano, jornais e revistas entrevistam “profissionais da área” para enfatizar a relação entre a dissolução da família tal como a conhecíamos até a primeira metade do século XX e a delinqüência juvenil, a violência, as drogadições, a desorientação dos jovens, etc. Como se acreditassem que a família é o núcleo de transmissão de poder que pode e deve arcar, sozinha, com todo o edifício da moralidade e da ordem nacionais. Como se a crise social que afeta o todo o país não tivesse nenhuma relação com a degradação dos espaços públicos que vem ocorrendo sistematicamente no Brasil, afetando particularmente as camadas mais pobres, há quase quarenta anos. E sobretudo como se ignorassem o que nós, psicanalistas, não podemos jamais esquecer: que a família nuclear “normal”, monogâmica, patriarcal e endogâmica, que predominou entre do início do século XIX a meados do XX no ocidente (tão pouco tempo? Pois é: tão pouco tempo) foi o grande laboratório