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Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais
Helena Hirata
Introdução: conhecimentos situados
Neste texto pretendo trazer ao debate aspectos relevantes das relações entre trabalho e gênero, tomando um ponto de vista “situado”, ou seja, teorizando-os a partir de um feminist standpoint ou enquanto situated knowledge (cf.
Haraway, 1988; Harding, 1991; Lowy, 2002). Tomarei, para isso, o ponto de partida das conceitualizações que integram, numa unidade indissociável, sexo, raça e classe.
Nessa perspectiva, a ideia de um ponto de vista próprio à experiência e ao lugar que as mulheres ocupam cede lugar à ideia de um ponto de vista próprio à experiência da conjunção das relações de poder de sexo, de raça, de classe, o que torna ainda mais complexa a noção mesma de “conhecimento situado”, pois a posição de poder nas relações de classe e de sexo, ou nas relações de raça e de sexo, por exemplo, podem ser dissimétricas.
Assim, um primeiro ponto para aprofundamento é a análise do conceito de “conhecimento situado” ou de “perspectiva parcial” da epistemologia feminista a partir dos conceitos de interseccionalidade ou de consubstancialidade. Ambas as conceitualizações partilham, a meu ver, do pressuposto central da epistemologia feminista, segundo o qual “as definições vigentes de neutralidade, objetividade, racionalidade e universalidade da ciência, na verdade, frequentemente incorporam a visão do mundo das pessoas
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Gênero, classe e raça, pp. 61-73
que criaram essa ciência: homens – os machos – ocidentais, membros das classes dominantes” (Lowy, 2009, p. 40) e, podemos acrescentar, brancos.
O que é interseccionalidade?
1. Ver referências listadas no fim deste texto e a bibliografia mais extensa disponibilizada no site www.sociologia.fflch.usp.br/laps. A vasta literatura existente em língua inglesa e mais recentemente também em francês1 aponta o uso desse termo, pela primeira vez, para designar
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