O Vulto Da Quimera
Rosiska Darcy de Oliveira
SER FELIZ PARECE SER UMA VOCAÇÃO UNIVERSAL. E, no entanto, quão poucos podem lembrar-se com alguma remota emoção de um tempo, quiçá um dia, o breve momento de um clandestino sussurro em que se foi, talvez, feliz. Feliz de verdade, alegre por estar vivo e ter instintos que chamam e acolhem a intensidade da luz. Aquela que nos faz pisar de pés descalços, com a certeza de que a terra inteira é nossa casa e agradecer à música sua banal existência, já que existe para provar que o prazer é possível e real.
As cores nos olhos, o gosto na boca, a pele – carícia, perfumes no ar, um sonho na alma, quimeras. “Quimera!” Talvez seja esta, junto com “madrugada”, a mais bela palavra dessa língua que nos escapa, como nos escapam as quimeras e as madrugadas.
Todo dia, quando a noite acorda, na hora indecisa da manhã, é preciso saber que ser feliz é projeto daquele dia. É preciso lembrar-se de que nascemos para isso e nada mais. Quem, ao amanhecer, se pergunta: afinal, o que me faz, de fato, feliz? Quem conta este segredo no ouvido amado? Quem, na madrugada, reconhece o vulto da quimera? Quem lhe dá ouvidos, segue seus passos?
As buzinas que sacodem a cidade dissolvem as quimeras que fogem assustadas para o mundo dos sonhos. Os despertadores não aceitam a contestação, a recusa do corpo. Os engarrafamentos não podem esperar. Precisam de todos para melhor prosperar e, talvez por isso, os dicionários registrem como ideias falsas e vãs, como monstros que nunca existiram, essa linda palavra que evoca bem mais a atração do impossível, o apelo da beleza e uma certa fugacidade.
Onde se terá perdido, quem sabe irremediavelmente, a vocação e a possibilidade de felicidade que foi ou terá sido, em algum esconderijo da infância, o nosso destino?
Terá sido na ganância, no querer demais ou tudo querer? Terá sido no poder? Não o poder de fazer, mas o poder de mandar, de dominar os mais fracos para que a fraqueza que conhecemos em nós encontre logo