O role da ralé
Para autor de 'A Ralé Brasileira', rolezinhos são vistos como tão ameaçadores porque rompem a demarcação do apartheid social
Grito dos quase incluídos? Flash mob da periferia? Repique das jornadas de junho? Marcha do desprezo pela cultura democrática? Ou apenas e tão somente "um rolê"?
O País discute o que vai pela cabeça daqueles rapazes de bombeta e bermudas, que se endividam para comprar um tênis Mizuno, a congestionar os corredores dos shopping centers - estes também chamados aqui e ali de "templos do consumo", "espaço privado aberto ao público" ou "única opção de lazer na quebrada", de acordo com o gosto do freguês. Os rolezinhos entraram com tudo no vocabulário político nacional e andaram nas bocas do prefeito Fernando Haddad, do governador Geraldo Alckmin e até da presidente Dilma Rousseff.
Para o sociólogo potiguar Jessé Souza, doutor pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, com todas as interpretações que se possam atribuir ao fenômeno (e, em especial, às reações da sociedade brasileira a ele), uma coisa é certa: estamos diante de "um reflexo do apartheid brasileiro que separa, como se fossem dois planetas distintos, os brasileiros ‘europeizados’, da classe média verdadeira, e os percebidos como ‘bárbaros’, das classes populares".
Autor do já clássico A Ralé Brasileira - Quem É e Como Vive, publicado em 2009, e de Os Batalhadores Brasileiros - Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora? , em 2012, ambos pela Editora UFMG, Jessé refuta o conceito de "nova classe média", exaltado no Brasil na última década. A precarização dessa camada "que trabalha muito e ganha pouco", diz, não permite definição tão positiva. Na entrevista a seguir, o sociólogo afirma ver conotação política (mas não planejada) nos rolês, alerta para o desejo de reconhecimento desses jovens e critica a visão estreita dos que, à direita ou à esquerda, concebem os sujeitos sociais "unicamente determinados e