o nascimento da filosofia
Ponhamos de lado, durante algum tempo, essa questão e a analogia com a terapia, e passemos a considerar, em seu lugar, outra analogia. Como todas as analogias, ela tem os seus perigos. Mas uma vez que ela me parece ser mais promissora que as outras, assumirei os riscos e a desenvolverei com algum vagar.
Quando a primeira gramática do espanhol, ou melhor do castelhano, foi apresentada à Rainha Isabel de Castela, a reação foi perguntar para que servia. A resposta dada em nome do gramático levou em conta a história mundial, refe- rindo-se à linguagem como instrumento a serviço do império - mas não precisamos mais de nos preocupar com isso.
Pois evidentemente, num certo sentido, a gramática não tinha serventia para todos aqueles que falavam o castelhano fluentemente. De algum modo, já tinham um perfeito conhecimento da gramática. Falavam um castelhano gramaticalmente correto porque o castelhano gramaticalmente correto era simplesmente o que eles falavam. A gramática não estabelecia o padrão de correção das sentenças que falavam; pelo contrário, eram as sentenças que falavam que estabeleciam o padrão de correção da gramática. Contudo, embora num sentido conhecessem a gramática da sua língua, havia outro sentido em que não a conheciam.
Se tivessem pedido a Isabel para enunciar, o mais siste- maticamente possível, um sistema de regras ou princípios à luz dos quais se pudesse decidir, acerca de qualquer seqüên- cia de palavras castelhanas, se constituía ou não uma senten- ça gramaticalmente completa e correta, a Rainha ficaria com- pletamente embaraçada. A sua prática e a dos cortesãos, na construção de sentenças castelhanas, mostravam que ela e eles, num certo sentido, observavam um conjunto ou sistema de regras ou princípios. Essa prática num certo sentido era go- vernada por tais regras ou princípios. Mas do fato de que a