O HOMEM NA ESTRADA
É comum que a abordagem midiática, ao tratar do fenômeno das facções criminosas, faça referência a “Estados paralelos”, o que, contudo, não encontra amparo em uma investigação empírica, constituindo apenas um jargão alarmista que contrapõe de forma absoluta tais agrupamentos à ordem formal, ou seja, ao Estado de Direito. Trata-se de discurso que impõe o rótulo de inimigo sobre os agrupamentos tachados como organizações criminosas, transformando-os no local da barbárie social, o que tem o condão de justificar políticas supressoras de direitos fundamentais, aos modos da doutrina do direito penal do inimigo.
Uma análise mais aprofundada das facções permite a conclusão de que as práticas de poder que delas decorrem não podem ser entendidas como paralelas à ordem formal, mas simbióticas. É problemática a dicotomia entre o formal e o informal, especialmente quando se faz referência à prisão, local onde se criaram e atuam de forma mais evidente as facções. Na prisão, as técnicas disciplinares legais e extralegais conjugam-se em uma complexa rede de relações de poder chamada de “o carcerário” por Foucault(1).
Essa simbiose pode ser verificada de forma mais ostensiva na infiltração de membros de facções nas estruturas estatais e na corrupção de policiais e agentes de segurança. Há, contudo, uma dimensão mais sutil que diz respeito à dinâmica com que se dão as relações de controle. O caráter falacioso do suposto poder total exercido pela administração de um presídio sobre seus internos já constava das análises de Sykes(2). Nessa esteira, uma vez que a instituição penal é estruturalmente incapaz de dominar completamente a massa de internos, a administração é induzida a abrir-se às lideranças informais dos presídios, negociando e fazendo concessões, a fim de manter um nível satisfatório de controle sobre a população sob sua responsabilidade.
A constatação de que não se justifica tratar o fenômeno