O farrista
O título do poema faz alusão ao anjo da guarda dos índios que estava ausente quando os portugueses chegaram para colonizar o Brasil. Os versos retratam um fato histórico no período das grandes navegações e, talvez por isso, o anjo também é viajante. Além disso, os acontecimentos nos trazem a idéia de movimento. É Cabral que chega, é o anjo que vem, vai de novo, transpõe a barra e não retorna mais, é o vento que dá no anjo, é o holandês que desembarca por aqui.
O fato foi trabalhado de forma tão eficaz que sua leitura desmonta todo o ranço acumulado pelas leituras históricas escolares e críticas, transformando em uma grande farra, não por isso desprovido de elementos reflexivos e da consciência de sua tragicidade. Foram introduzidos no poema alguns elementos que fazem parte da história do Brasil em que além dos índios e seu anjo da guarda aparecem o português e o holandês, sempre de uma forma crítica, ainda que inusitada.
O português colonizador é representado pelo almirante Cabral, que se apresenta animalizado pelo termo patas. Tal animalização além de fazer referência à significação de seu nome próprio e evocar todas as imagens culturais e religiosas ocidentais presentes na figura da cabra, bode e cabrito, funciona como o avesso do processo de assimilação da imagem do índio como foi historicamente construída, assumida e divulgada por grande parte da cultura branca, senão toda, como bicho, o que expressa uma leitura crítica do processo de colonização.
O recurso a elementos do imaginário infantil como a figura do anjo da guarda, que na tradição européia cristã acompanha as crianças proporcionando proteção, é uma característica muito própria desse período, que leva a uma associação entre a etapa infantil da vida humana e os momentos iniciais da formação do Brasil, onde os índios foram considerados criaturas ingênuas pelos colonizadores, que se aproveitava de sua inocência, trocando objetos desconhecidos e quase sem valor pelas riquezas que sua terra