O dilema epistemológico do ensino religioso
Espaço Aberto
O dilema epistemológico do ensino religioso
Evaldo Luis Pauly
Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Introdução
Minha intenção é debater o dilema epistemológico decorrente da inclusão da disciplina ensino religioso no currículo das escolas públicas de ensino fundamental, inserindo esse debate nos dilemas epistemológicos dessa disciplina em relação à liberdade de religião numa federação republicana e retomando o debate político acerca da separação entre Igreja e
Estado, à luz da legislação brasileira, especialmente das constituições federais, das leis da educação nacional e dos recentes pareceres do Conselho Nacional de Educação.
Como teólogo, defendo a separação entre Igreja e Estado conforme as tradições da Reforma e da Teologia da Libertação. Para a Reforma, o regime eclesial rege a interioridade pessoal e os cristãos nele vivem de modo justo, sem imposição da lei, na liberdade do amor. O regime secular controla o mundo externo pela lei escrita e pelo monopólio da repressão: “o direito e a espada secular”. Lutero procura “distinguir cuidadosamente esses dois regimes e deixá-los vigorar: um que torna justo, o outro que garante a paz exterior e
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combate as obras más” (1996 [1523], p. 87). Na atualidade, “o cristianismo da libertação latino-americano representa uma inovação radical” porque assume “a separação total entre a Igreja e o Estado” (Löwy, 2000,
p. 99).
Nesta perspectiva teológica, o lobby eclesiástico que aprovou a lei nº 9.475/97, alterando o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), cometeu um erro político estratégico. Deu plausibilidade à suspeita1 de que as igrejas não quiseram assumir “o ônus” da disciplina, nem abrir mão de eventuais vantagens que dela presumiam receber. Essa alteração insinua um certo “currículo oculto” do ensino religioso,2 reacendendo o “dilema escola públi-
1
Bourdieu (1996, p. 201-202): “o poder