O Cativo
Em Jujín ou em Tapalquén contam a história. Um garoto desapareceu depois de uma irrupção de índios; foi dito que os índios o roubaram. Seus pais procuram-no inutilmente; ao cabo de anos, um soldado que vinha do interior lhes falou de um índio de olhos celestes que bem podia ser seu filho. Por fim, deram com ele (a crônica perdeu as circunstâncias e eu não quero inventar o que não sei), e acreditaram reconhecê-lo. O homem, trabalhado pelo deserto e pela vida selvagem, já não sabia ouvir as palavras da língua natal, mas se deixou conduzir, indiferente e dócil, até a casa. Olhou para a porta, como sem entendê-la. De repente baixou a cabeça, gritou, atravessou correndo o saguão e os dois longos pátios, e meteu-se na cozinha. Sem vacilar, afundou o braço na enegrecida chaminé e tirou a faquinha de cabo de chifre que ali escondera quando pequeno. Seus olhos brilharam de alegria e os pais choraram por terem encontrado o filho. Talvez a essa lembrança outras se tenham seguido., mas o índio não podia viver entre paredes e um dia foi procurar o seu deserto. Eu quereria saber o que ele sentiu naquele instante de vertigem em que o passado e o presente se confundiram; quereria saber se o filho perdido renasceu e morreu naquele êxtase ou se, pelo menos, como uma criatura ou um cão, conseguiu reconhecer os pais e a casa.
BORGES, Jorge Luis (1899-1986). O fazedor; tradução de Rolando Roque da Silva -5. ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995
Uma rosa amarela
J L Borges
Nem naquela tarde nem na outra morreu o ilustre Giambattista Marino, que as bocas unânimes da Fama (para usar uma linguagem que lhe foi cara) proclamaram o novo Homero e o novo Dante, porém o fato imóvel e silencioso, então ocorrido, foi na verdade o último de sua vida. Cumulado de anos e de glória, o homem morria num amplo leito espanhol de colunas lavradas. Nada custa imaginar a poucos passos um sereno balcão que olha para o poente e, mais abaixo, mármores e loureiros e um