o burro
Quando ele zurrava, todos fugiam.
As zurradelas do burro, realmente, eram de tal força, que assustavam qualquer bichinho. Até o cão se afastava, em sinal de respeito.
- Nunca imaginei que possuísse tanto poder? - dizia de si para si o burro, todo inchado de bazófia.
E fartava-se de zurrar, a torto e a direito, clamando que era ele o rei? iam-iam!.. o rei? dos? iam-iam!... dos animais? iam-iam!
Vozes de burro não chegam ao céu, diz-se, mas chegaram aos ouvidos do leão.
- Não sabia que tinha concorrentes de tamanha qualidade - disse ele, num breve rugido de ironia.
Estava bem-disposto o leão. Tinha-se refastelado com um suculento almoço de carne de javali, entremeado com o resto de um cabrito, que sobrara do jantar anterior. Tão cedo não ia ter vontade de comer e muito menos de comer carne de burro, que enjoava. O leão era de gostos mais apurados.
Sua Majestade espreguiçou-se, arrotou (com licença!) e disse:
- Vamos lá visitar esse fenómeno que se proclamou o rei dos animais.
Encontrou o burro a pastar num outeiro, não longe do quintal, onde tinha estábulo.
O burro, quando o viu, estremeceu, mas não quis dar parte fraca. Nem parecia bem que um rei, coroado de tão altas orelhas, sinal de majestade, fugisse diante de um animal de quem se não viam as orelhas, escondidas pela farta juba. O burro tinha a coragem dos simples. E dos ignorantes.
- Constou-me - começou o leão -, constou-me que te intitulas o rei dos animais. É verdade?
- É - respondeu, singelamente, o burro.
- Em que te baseias para ostentar o título? Donde te vem tal pretensão? Os teus pais ou os teus avós já eram reis da natureza animal? - questionou o leão, não sustendo a cólera. - Quantos reis burros houve antes de ti?
- Iniciei a dinastia - explicou o