o bom criolo
A objetividade que caracterizava a postura narrativa da ficção realista-naturalista conduzia a uma preferência pelo foco narrativo de 3ª pessoa. No entanto, muitas vezes esse narrador interferia no relato, tecendo comentários a respeito de certas circunstâncias do enredo. É o que ocorre aqui: a todo momento, em pequenas incursões, o narrador expõe seus pontos de vista.
Manifestações de subjetividade como essas podem sugerir a presença de um narrador romântico. E talvez essa impressão não esteja tão distante da realidade. De fato, uma leitura atenta permite perceber alguns traços típicos do romantismo: a dor da separação e do ciúme; a descoberta do amor; a presença do herói forte e protetor, capaz de qualquer sacrifício pelo ente amado. Amaro se descobre homossexual e manifesta os mesmos ciúmes doentios encontrados nas novelas sentimentais. Aleixo se mostra frágil e indefeso, como as heroínas românticas convencionais. O que Caminha realizou, portanto, foi uma versão do romantismo, tornada grotesca pela força do apelo sexual, exatamente o traço forte do Naturalismo. A sexualidade se manifesta na masturbação, consequência fisiológica do isolamento a que são relegados os marinheiros, e na luxúria dos encontros amorosos. Dominados pelos instintos, os indivíduos se entregam à preguiça e à degeneração.
A redução das personagens aos seus instintos animais e a manifestação clara da sexualidade, dois traços importantes do Naturalismo, aparecem de forma evidente no romance, expostos na linguagem crua e direta que também caracterizava o estilo.
No tratamento da homossexualidade, pode-se entrever o esforço do narrador em focalizá-la como manifestação natural dos instintos. Mas ele não consegue evitar certo viés moralista condenatório, em uma marginalização que é acentuada pelos espaços de livre manifestação sexual, sempre caracterizados pelas sombras e pelo distanciamento da sociedade – como os porões do navio ou o quarto de pensão onde se escondem os