A voz do povo
A voz do povo por Robert Darnton
Os versos mais antigos de Mamãe Ganso -como: "Ouça, ouça! Os cães ladram/ Os mendigos chegam à cidade/ Consertam-se cadeiras! Consertam-se cadeiras!/ Eu nunca gritaria "consertam-se cadeiras'/ Se tivesse tanto dinheiro quanto quisesse gastar"; ou "o Natal está chegando, os gansos, engordando/ É favor pôr uma moeda no chapéu deste velhinho"- confirmam uma característica muito conhecida das cidades do início da era moderna: eram barulhentas.
Pedintes, vendedores de rua, camelôs, arautos, curandeiros, afiadores de facas, tocadores de realejo, sargentos recrutadores, carregadores, estivadores, condutores de carruagens, carroceiros, uma variedade infinita de trabalhadores e animais enchia o ar de uma cacofonia que não se assemelha a nada do que pode ser ouvido nas ruas de hoje.
E tudo isso era percorrido por um riacho de som que é especialmente difícil de detectar à distância de dois ou três séculos: os chamados "ruídos públicos" ("bruits publics") ou comentários aleatórios sobre os assuntos de Estado e os figurões responsáveis por eles. Essa espécie de central de boatos fazia parte de um sistema de comunicação oral que provia as cidades de seu suprimento básico de notícias. Como a maioria dos fenômenos orais, ela já desapareceu. Mas deixou rastros de sua atividade nos pontos nodais em que a palavra falada era retomada pela escrita e, em alguns casos, difundida ainda mais longe ao ser impressa.
Gosto proibido
A literatura ilegal, em razão da censura e das práticas monopolistas da corporação dos livreiros, representava uma parcela grande das vendas totais de livros. Cinco dos 15 livros mais vendidos eram "libelles" ou "chroniques scandeleuses" -ou seja, faziam parte de uma variedade de jornalismo caracterizada pela