A perda do paraíso
Aos 8 anos decidiu convidar Deus para brincar. Não lhe pareceu que esse fosse um pedido despropositado e impossível de atender, pois naquela época, para ele, Deus parecia mesmo existir e o mundo era só um lugar de brincar e crescer. E foi exatamente esse toque de ousadia, carregado de narcisismo onipotente e inocente que marcou a sua versão: ofereceu-se voluntariamente a uma intimidade que lhe abriria as portas sempre fechadas para os comuns dos mortais. Entretanto, havia mais, pois já àquela altura não conseguia firmar-se muito bem no meio de seus iguais. O mundo lá fora sempre lhe pareceu propor uma disputa desigual. Muitas das suas iniciativas de integração, seja na escola ou com primos foram frustradas. Os garotos da sua idade se moviam rápido demais. Mas com o cérebro em câmera lenta. E ele sempre tinha mil perguntas a fazer. Sentia desconforto com os excessos de cumplicidade e com todas as injustiças naturais. Nunca conseguiu brigar na rua. Nem na escola. Foi na igreja que encontrou o seu lugar. Era como se ele adotasse aquela estrutura para compensar a falta de conexão social. Nessa época era um coroinha cheio de pose. Tinha o rosto luminoso, um sorriso que encarnava a graça e certa petulância na maneira de se posicionar. Fazia da igreja seu quarto de brinquedos e também seu parque de diversão. A função lhe dava visibilidade, ressaltava seu estilo nobre e concentrado, e a batina vermelha com sobrepeliz branca completavam esse perfil natural. E ali se sentia a salvo. Era quase outra vida, menos experimental, mas muito mais contagiante. Que combinava com ele. Tinha o sabor de batalha ganha.
Pertencia ao quadro de coroinhas da catedral, o que proporcionava encontros quase diários com o bispo, seja de modo casual ou oficial. Tudo à sua volta transpirava solenidade, pompa, disciplina, ordem e tradição. Tudo podia ser imitado, sem risco