A interpelação ideológica
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, para distingui-la das manifestações concretas da ideologia, trouxe para o “teatro” teórico algumas contribuições da psicanálise. Dentre estas, tais como ele próprio as concebia, o inconsciente, o sujeito, as identificações imaginárias e, mesmo sem uma referência direta, o supereu e a estrutura sóciosimbólica, isto é, o chamado grande Outro lacaniano.
Era a primeira vez que a noção de ideologia, cunhada no campo do materialismo histórico, a “ciência” da história, passava a ser balizada, a partir de seu campo mesmo, por contribuições da psicanálise.
O alcance desse novo referencial, alterando substancialmente a formulação original de Marx e Engels n’A ideologia alemã, difere do recurso à psicanálise, que já fora feito por alguns integrantes da chamada
“teoria crítica” – Adorno, Horkheimer, Fromm e Marcuse e, também,
Reich –, que visavam, especialmente, tornar mais consistente e afinada a
“crítica ideológica” à sociedade capitalista.
Em dois textos anteriores (Pour Marx e Lire le Capital),
Althusser já aludira à relação entre o caráter imaginário da ideologia e o inconsciente. Mas agora, mesmo na forma de esboço de uma teoria, essa
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Althusser, L., “Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado”, La Pensée, nº 151, junho de 1970, especialmente o item final, “Sobre a ideologia”.
1relação é tecida com certa consistência, a ponto de pôr em xeque alguns aspectos da noção que foram herdados da concepção original da ideologia: a relação da ideologia com a consciência (falsa ou verdadeira –
Luckács -), a ideologia como reflexo imaginário invertido, a ideologia como sistema de idéias e, sobretudo, o fato da matriz da ideologia, seu núcleo mesmo, atrelar-se quase que exclusivamente à universalização dos
interesses