A grave doenca que e pensar
2304 palavras
10 páginas
Quando a palavra "espírito" vem à boca do Papalagui1, seus olhos ficam grandes, redondos, fixos; o peito alteia-se, a respiração torna-se mais profunda, a atitude é a do guerreiro que abateu o inimigo. Pois este "espírito" é coisa de que o Papalagui tem orgulho especial. Não se trata do grande, do poderoso espírito que o missionário chama "Deus", do qual todos somos imagens mesquinhas, mas do pequeno espírito que acompanha o homem, que faz o homem pensar. Quando olho daqui a mangueira que está atrás da igreja do missionário, não é espírito porque apenas a vejo. Mas se reconheço que é mais alta do que a igreja, é espírito. Quer dizer, não basta apenas ver uma coisa, é preciso também tirar daí algum saber, saber alguma coisa. É este saber que o Papalagui exerce da manhã à noite. O espírito do Papalagui é como um tubo de fogo carregado, uma vara de pescar atirada à água. Ele tem pena de nós, povos das muitas ilhas, porque não exercemos este saber. Ele acha que somos pobres de espíritos, estúpidos como os bichos selvagens. É certo, sim, que exercemos pouco o saber que o Papalagui chama "pensar". Mas a questão é saber se é estúpido quem não pensa muito, ou quem pensa demais. O Papalagui está sempre pensando: "Minha cabana é menor que a palmeira; a palmeira dobra-se à tempestade; a tempestade ruge". É assim que ele pensa, à sua maneira, naturalmente. Mas também pensa a respeito de si mesmo: "Sou baixo; meu coração alegra-se sempre que vejo uma moça; gosto muito de sair em malaga2". E assim por diante. Bem, isto é alegre, é bom, talvez tenha alguma utilidade pessoal para quem gosta desta brincadeira interior. Mas o Papalagui pensa tanto que para ele pensar se tornou costume, necessidade, até obrigação, coação. Tem de estar sempre pensando. É difícil para ele não pensar, é difícil viver com todas as partes do corpo ao mesmo tempo. E comum ele viver só com a cabeça enquanto todos os sentidos dormem profundamente. Embora isso não o impeça de andar normalmente, de falar,