A criação do homem-animal
Há quase dois mil anos atrás, surgia em Roma o que hoje todos nós conhecemos como Coliseu, um dos maiores monumentos da humanidade e marca registrada do Império Romano. O que poucos sabem, ou insistem em ignorar, é que o Coliseu era, principalmente, a maior das arenas de gladiadores da época. Escravos eram obrigados a lutar em batalhas desleais contra guerreiros muito melhor armados, e, inúmeras vezes, até mesmo contra animais. A luta pela sobrevivência que faz vir à tona os mais primitivos dos instintos humanos: o instinto animal. E aí percebe-se: a imagem do homem-animal.
É justamente esse tema que o documentário dirigido por Eduardo Coutinho (Boca de Lixo, 1992) busca explorar; ou melhor, quebrar. O filme retrata a realidade dos trabalhadores do lixão de Itaoca, bairro pobre da zona oeste de São Gonçalo, município do estado do Rio de Janeiro; porém, de uma forma totalmente diferente dos retratos midiáticos dos lixões até então. Logo na abertura do filme, torna-se evidente a supracitada luta pela sobrevivência: dezenas de pessoas reunidas à espera do trator carregado de lixo. Assim que os restos são despejados, é cada um por si na busca de objetos “valiosos” ou qualquer tipo de item que lhes proporcione o amanhã. A constante indagação sobre se os habitantes do lixão comem ou não restos de comida achados ali também reforça essa idéia. Entretanto, logo percebe-se o grande diferencial de “Boca de Lixo”. Coutinho visa a mostrar ao telespectador um outro lado dos catadores de lixo: o lado humano. Afinal, a ciência nos diz que todos nós somos descendentes do animal. Por conseqüência, é perfeitamente plausível dizer que todo Homem tem um lado humano e outro, animal. O que define qual lado se destaca a olho nu são as condições sócio-econômica-culturais nas quais o indivíduo vive. E Coutinho consegue explicitar isso com maestria. Cenas panorâmicas da miséria e insalubridade do lixão