A casa - João Cabral de Melo Neto
Cabral trabalha freqüentemente com o duplo e aqui o faz, através de dois vocábulos impregnados de múltiplas facetas provenientes da simbologia rica que ambos suscitam. São oito estrofes, portanto número par e, com o título, forma parelha. O poema é em segunda pessoa, o poeta se dirige à mulher.
Mulher é mito poético amplamente cantado e simboliza por vezes o inefável; outras, a sedução; ainda, o aconchego materno; vincula-se ao transcendente como mãe, sem perder o terrestre como genitora, enfim, é mais relacionada ao sentir que ao ser.
Casa é, em princípio, o comum, o físico, o terreno; contudo, uma gama de sensações eclodem a partir das imagens que a palavra evoca, frutos do devaneio ou do sonho que lembra o passado. "Casa é o nosso primeiro universo." Assim, CASA pode ser posta em condição similar a MULHER, pois ambos são vocábulos que trazem à tona a simbologia: esta a do encantamento poético, aquela das lembranças vividas, do aconchego, do berço; lar, enfim, infância até - portanto sonhos, fantasias e, por que não, o sobrenatural "a casa de meu pai tem muitas moradas".
João Cabral, todavia, procede inversamente ao exposto: não eleva a
"simplicidade"de CASA à "poeticidade" de MULHER, mas desmestifica esta para igualá-la àquela. O sentimento e o erótico da mulher somem e ela passa a ser vista com a naturalidade com que se vê pedra, faca, cana ou rio.
Até que ponto é possível ou verdadeiro esse desvinculamento do leitor? Seria possível isolar um vocábulo a tal ponto de lhe retirar as circunstâncias todas de que está impregnado pelas inúmeras vivências que possui nas experiências de cada leitor? Para
Bachelard , a simbologia que deriva de um vocábulo faz parte dele, é pois lado desse poliedro. A esses questionamentos , não me permite a ciência nem a ocasião responder; não deixo, porém, de levantá-los, considerando que ocorreram durante a investigação dos versos de Cabral.
O poeta trabalha a comparação,