A BARATA E O RATO
Era uma dessas baratinhas brancas e nojentas, acostumadas à só imundície e ao monturo, comendo calmamente sua refeição composta de um pedaço de batata podre e um pedaço de tomate podre ( causando inveja a muita gente). Chegou junto dela um Rato transmissor de peste bubônica e lhe disse: " Comadre, ontem tive uma aventura extraordinária . Estive num lugar realmente impressionante, como você, comadre, certo jamais encontrará em toda sua vida". Barata comendo. "O lugar era uma coisa que realmente me deixou de boca aberta" - prosseguiu o Rato - "tão espantoso e tão diferente de tudo que tenho visto em minha vida roedora". ( É sua sina roer.) Barata comendo. "Imagina você" - prosseguiu o Rato - "que descobri o lugar por acaso. Vou indo numa das cavidades subterrâneas por onde passeio sempre, entrando aqui e ali numa casa e noutra, quando, de repente, percebo uma galeria que não conheço. Meto-me nela, um pouco amedrontado por não saber onde vai dar e de repente saio numa cozinha inacreditável. O chão, limpo, que nem espelho! Os espelhos, de um brilho de cegar! As panelas, polidas como você não pode imaginar! O fogão, que nem um brinco! As paredes, sem uma mancha! O teto, claro e branco como se tivesse sido acabado de pintar! Os armários, tão arrumados e cuidados que estavam até perfumados! Poeira, em nenhuma parte, umidade inexistente, no chão nem um palito de fósforo... E foi aí que a Barata não se conteve. Levou a mão à boca num espasmo e protestou:^"Que mania! Que horror! Sempre vem contar essas histórias exatamente no momento em que a gente está comendo!"
(Millôr Fernandes,1973)