A articulação de palavras e ideias
Para produzir um bom texto, não basta ter boas ideias ou bom vocabulário. Para isso, boas ideias e bom vocabulário precisam tomar a forma de enunciados que, unidos uns aos outros, construam, passo a passo, uma tessitura de conexões lógicas e semânticas. Quando isso ocorre, dizemos que o texto possui textualidade, isto é, apresenta articulação de palavras (coesão) e articulação de ideias (coerência).
Leia esta fábula de Millôr Fernandes:
O Renascer dos belos sentimentos, uma vez satisfeitas as necessidades básicas
“Para se exercerem as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material”. (Santo Agostinho)
Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem rumo, em qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação e o homem começa a sentir o remorder da antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago.
Pois, sozinho, e sem se alimentar há vários dias, o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, ou etc.), seguido apenas de seu fiel cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: “pan, pan, pan, ó de casa!”. Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão!). Quando tinha acabado de comer todo o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: “Ai, ai, ai!”, soluçou, “pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!”. Moral: Quando eu tiver uma casa bem confortável, escreverei um tratado de sociologia.
(Fábulas Fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. p. 68.)
Antropofagia: consumo de carne humana por seres humanos; canibalismo.
Espicaçar: picar com instrumento agudo; furar,