vida Mansa
Sanduíche de mortadela era a delícia suprema no lanche da escola, quando nossa pobreza me permitia uns trocados pra gastar na padaria. Melhor do que isso, só as maçãs argentinas, que comia escondida no banheiro da escola “pra não dar vontade nos outros”, dizia a professora. Escola pública de antes da universalização do ensino; lá aprendi tudo o que sei.
A cidade era cercada de canaviais e laranjais. Depois que se instalou a primeira fábrica de suco para exportação, todas as tardes subia o doce cheiro de bolo de laranja, provavelmente resultado do processamento da casca da fruta. A cana era cuidadosamente descascada e picada em pedaços tão pequenos que cabiam inteiros na boca. Dela se fazia a garapa, que mais tarde ganhou o nome bobo de caldo de cana.
Seguia mansa a vida. Minha mãe trazia tecidos da loja da minha avó, que morava em outra cidade. Íamos juntas levá-los à costureira Mercedes, que os transformava nos figurinos das revistas. A modista vivia ao lado do quartel do exército, com o marido ferroviário e muitas filhas. Fascinava-me a quantidade de tecidos, retalhos, aviamentos, moldes de papel, fitas métricas e carretéis de linha colorida amontoados por todos os lados. Misturavam-se crianças, cachorros, café e o cheiro do refogado do arroz.
Os professores estão em greve, ouvi um dia ao chegar à escola. Hoje não tem aula. E não teve por meses a fio. Depois foram os ferroviários, em assembléia permanente num galpão do centro da cidade. Meus pais participavam de mutirões que preparavam sanduíches de queijo para os grevistas.
Até aquele dia. A cidade se encheu de soldados. “Finalmente se tomou uma providência para por ordem neste país” – explicou a professora – “estudantes e sindicalistas só querem baderna”. Era dezembro, mas os dias eram cinzentos e eu