Umberto Eco - Como se faz uma tese, 1983
2. A Escolha doTema
2.1. Tese monográfica ou tese panorâmica?
A primeira tentação do estudante é fazer uma tese que fale de muitas coisas. Se se interessa por literatura, seu primeiro impulso, é escrever algo como A Literatura Hoje. Tendo de restringir o tema, escolherá A Literatura Italiana do Pós‑guerra aos Anos Sessenta.
Teses desse tipo são perigosíssimas. Estudiosos bem mais velhos se sentem abalados diante de tais temas. Para quem tem vinte anos, o desafio é impossível. Ou elaborará uma enfadonha resenha de nomes e opiniões correntes ou dará à sua obra um corte original e se verá acusado de imperdoáveis omissões. O grande crítico contemporâneo Gianfranco Contini publicou em 1957 uma Literatura Italiana dos Séculos XVIII e XIX (Sansoni Accademia). Pois bem, se se tratasse de uma tese ele seria reprovado, embora seu trabalho conte com 472 páginas impressas. De fato, poder‑se‑ia acusá‑lo de descuido ou ignorância por não haver citado nomes que a maioria considera muito importantes ou de haver dedicado capítulos inteiros a autores considerados "menores" e breves notas de rodapé a autores tidos por "maiores". Naturalmente, tratando‑se de um estudioso cujo preparo teórico e argúcia crítica são bem conhecidos, todos compreenderam que tais exclusões e desproporções eram propositais, e que a ausência era criticamente muito mais eloqüente do que uma página de crítica impiedosa e demolidora. Mas se a mesma brincadeira for feita por um estudante de vinte e dois anos, quem garantirá que em seu silêncio esteja muita malícia e que as omissões substituem páginas críticas escritas alhures ‑ ou que o autor sabia escrever?
Em teses desse gênero, o estudante costuma acusar os membros banca de não tê-lo compreendido, mas estes não podiam cnmpreendê‑lo, razão pela qual uma tese muito panorâmica constitui sempre um ato de orgulho. Não que o orgulho intelectual - numa tese – deva ser condenado a priori.