trecho do livro borboletas de koch
Dizem que cuspo sangue e que logo morrerei. Não! Não! São borboletas vermelhas. Vocês verão.
Eu via o meu burro mascar margaridas e presumia que essa placidez de vida, essa serenidade de espírito que lhe ultrapassava os olhos, era obra das cândidas flores. Um dia, quis comer, como ele, uma margarida. Estendi a mão e, nesse momento, pousou na flor uma borboleta tão branca como ela. Eu disse para mim: por que não também? E a levei aos lábios. É preferível, posso dizer, vê-las no ar. Têm um sabor que é tanto de óleo quanto de ervas ruminadas. Tal, pelo menos, era o gosto dessa borboleta.
A segunda me deixou só cócegas insípidas na garganta, pois se introduziu ela mesma, em um vôo, presumi eu, suicida, atrás dos restos da amada, a deglutida por mim. A terceira, como a segunda (o segundo, deveria dizer, acredito eu), aproveitou a minha boca aberta, não já pelo sono da sesta sobre o pasto, mas sim pelo meu modo um tanto estúpido de contemplar o trabalho das formigas, as quais, por sorte, não voam, e, as que o fazem, não voam alto.
A terceira, estou persuadido, há de ter tido também propósitos suicidas, como é próprio do caráter romântico presumível em uma borboleta. Pode-se calcular seu amor pelo segundo e, da mesma forma, podem-se imaginar seus poderes de sedução, capazes, como foram, de fazer cair no esquecimento a primeira, a única, devo esclarecer, submergida - morta, ademais - por minha culpa direta. Pode-se aceitar, igualmente, que a intimidade forçada em meu interior há de ter facilitado os propósitos da segunda das minhas habitantes.
Não posso compreender, em compensação, por que o casal, tão novo e tão disposto às loucas ações, como bem ficou provado, decidiu permanecer dentro, sem que eu lhe estorvasse a saída, com a minha boca aberta, às vezes involuntariamente, outras de forma deliberada. Mas, em detrimento do estômago pobre e desabrido que me deu a natureza, hei de declarar que não quiseram viver nele por muito tempo. Mudaram-se para