Trabalhos
Profa. Dra. Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa (UFMG)
Manuela Ribeiro Barbosa (UFMG)
Encontramos na Ilíada um trecho que consideramos oportuno para nos levar a pensar sobre a contação de estórias. Estamos na abertura do Canto XX: Zeus ordena, em assembléia, que os imortais tomem parte na disputa, pois Aquiles, combatendo sozinho, em breve faria perecer a todos os troianos. A decisão do soberano mescla homens e deuses e provoca uma enorme batalha. Entre os mortais, o primeiro a sentir o fragor dos deuses foi Enéias, que, persuadido e impelido por Febo Apolo, combateu de frente Aquiles, filho de Peleu. Na ocasião do combate entre os dois heróis, todos os deuses – em grupos opostos e meditando projetos – se assentam para assistir. Enéias marchou primeiro; Aquiles avança desdenhoso. Quando se aproximam, ele, interessado em lutar contra Heitor, assume postura de superioridade e aconselha o filho de Anquises a abandonar a disputa a fim de preservar sua vida. Em resposta, Enéias retruca que também sabe lidar com as palavras, as quais não o atemorizam. Aqui começa a nossa reflexão: lidar com as palavras, quando é hora de guerrear, não lhes parece um despropósito? Por que, em lugar de descrever a cena, o poeta permite que isso ocorra? A resposta é, para nós, simples: Homero mostra que as palavras são como os deuses: aquecem os combates. O processo é o seguinte: Aquiles tenta despachar Enéias. Este, porém, declara conhecer a técnica: palavras não o assustam como a uma criança. Poderíamos imaginar, então, que não haveria mais “conversa fiada”, mas um combate corpo-a-corpo (uma “conversa” afiada, portanto!). Entretanto, imediatamente, sem permitir a intervenção do inimigo, o troiano se põe a narrar uma longa estória. Contra a nossa expectativa, Aquiles parece ter se interessado, porque, parado, ouve todos os 44 versos em lugar de desferir contra o oponente um golpe mortal. Que técnica