Trabalho infantil dom stico
O TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO: ROMPENDO COM O CONTO DA
CINDERELA
Kátia Magalhães Arruda*
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS DO BRASIL: O TRABALHO
DOMÉSTICO COMO DERIVAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO
3 UMA MENINA PARA CRIAR OU UMA CRIADA FÁCIL DE MANDAR?
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1 INTRODUÇÃO
O mais famoso conto de Walt Disney narra a trajetória de uma sonhadora menina órfã, que ao invés de ser criada e protegida por sua madrasta, dando-lhe os mesmos direitos de suas filhas legítimas, converte a fragilizada menina em criada, com a responsabilidade sobre todos os serviços da casa.
Assim, Cinderela transforma-se na “gata borralheira” porque vivia no borralho1, lavando, passando, varrendo, cozinhando e executando diuturnamente as ordens da madrasta e suas filhas, crescendo sem tempo para seus livros e por muito pouco quase chega a perder seus sonhos, salvos apenas pelo aparecimento de uma encantada fada madrinha...
O conto infantil, para alegria das crianças do mundo inteiro, tem um final feliz. Mas, ao refletirmos sobre seu conteúdo, é possível reconhecer inúmeros traços que nos reportam a uma antiga chaga que insiste em permanecer no mundo moderno: o trabalho infantil doméstico.
Façamos um recorte do conto de fadas para a realidade brasileira2, em especial a nordestina, e veremos que a maioria das crianças e adolescentes levadas ao trabalho doméstico vão para as casas das famílias com a promessa de que serão bem criadas, terão direito a estudo e serão tratadas como parte da família.
No entanto, logo terão que lavar, passar e limpar todos os quartos da casa ou exercer a responsabilidade do cuidado de outras crianças, sem jornada de trabalho definida e sem remuneração, já que os patrões estão “fazendo o favor” de ajudar as famílias pobres, geralmente do interior do Estado, na criação dessas crianças. * Desembargadora Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região/MA.
1
Significa cinzas, lareira. Chama-se borralheira quem