Trabalho escolar
A peste da mímesis
LÍVIA CRISTINA
GOMES é mestranda do curso de Letras da
FFLCH-USP.
A CASMURRICE DA NARRATIVA im, Dom Casmurro, romance de Machado de Assis publicado em 1899, tem sua “poesia envenenada”, como disse Schwarz (1997). Mas seu veneno, ou seu jogo perverso, não é contra Capitu e Ezequiel; ou, pelo menos, não apenas contra eles. O jogo perverso primeiro
(e mais envenenado) é contra o leitor. Em outras palavras,
Dom Casmurro não é uma obra-prima de Machado de
Assis porque narra a história, ou melhor, a História, das relações sociais do Brasil oitocentista, ou porque narra o psíquico perturbado de Bento Santiago. A maestria de
Este artigo provém da pesquisa de
Iniciação Científica realizada de novembro de 2006 a outubro de
2007, sob a orientação do prof.
João Adolfo Hansen (USP), que foi subsidiada pela bolsa IC/FFLCH.
Seus resultados foram apresentados oralmente no 15o SIICUSP, no dia
21 de novembro de 2007.
Machado de Assis está no contrato enunciativo desse romance, está em fazer do leitor mais um personagem do mesmo, incluindo suas representações na escrita do livro para lê-las e quase sempre decepcioná-las, propondo coisas inesperadas. Ou, ainda, o leitor participa da narrativa com“seus próprios conceitos e preconceitos”, nas palavras de Guimarães
(2004, p. 215), e sua cooptação começa desde a primeira página do romance. Então vamos a ela.
Embalado no ritmo do trem da Central, o leitor, após o primeiro contato com o tom anedótico de “Uma Noite Destas”, deixa-se levar pela escrita polida do recluso e calado Dom Casmurro. O contrato enunciativo1 foi estabelecido: a verossimilhança e a veridicção do romance se coadunam ao cavalheirismo do narrador, que inicia sua narrativa no tom íntimo e franco de suas memórias. Nada nos faz lembrar o desabusado Brás Cubas.
Mas o leitor melhor avisado pode já desconfiar da pressa do narrador em esclarecer logo no primeiro capítulo os motivos de sua alcunha.
De qualquer forma, o redirecionamento