Totalitarismo
Os homens normais não sabem que tudo é possível.
David Rousset
UMA SOCIEDADE SEM CLASSES
1. AS MASSAS
Nada caracteriza melhor os movimentos totalitários em geral — e principalmente a fama de que desfrutam os seus líderes — do que a surpreendente facilidade com que são substituídos. Stálin conseguiu legitimar-se como herdeiro político de Lênin à custa de amargas lutas intrapartidárias e de vastas concessões à memória do antecessor. Já os sucessores de Stálin procuraram substituí-lo sem tais condescendências, embora ele houvesse permanecido no poder por trinta anos e dispusesse de uma máquina de propaganda, desconhecida ao tempo de Lênin, para imortalizar o seu nome. O mesmo se aplica a Hitler, que durante toda a vida exekeu um fascínio que supostamente cativava a todos,1 e que, depois de derrotado e morto, está hoje tão completamente (1) O "feitiço" com que Hitler dominava os seus ouvintes foi reconhecido muitas vezes, e recentemente pelos editores de ffitlers Tischgespràche, Bonn, 1951 (Hitler's table talks, edição americana, Nova York, 1953; citações da edição original alemã). Esse fascínio — "o estranho magnetismo que Hitler irradiava com tanta força" — era devido "à crença fanática que ele tinha em si mesmo" (introdução de Gerhard Ritter, p. 14), em sua competência sobre qualquer assunto, e no fato de que qualquer parecer que emitisse — fosse a respeito dos efeitos nocivos do fumo ou sobre a política de Napoleâo — sempre podia ser incluído numa ideologia que pretendia abranger todas as coisas do mundo.
O fascínio é um fenômeno social, e o fascínio que Hitler exercia sobre o seu ambiente deve ser definido em termos daqueles que o rodeavam. A sociedade tende a aceitar uma pessoa pelo que ela pretende ser, de sorte que um louco que finja ser um gênio sempre tem certa possibilidade de merecer crédito, pelo menos no início. Na sociedade moderna, com a sua falta de discernimento, essa tendência é ainda maior, de modo que