Titu cusi
Na primeira parte do relato, Poma de Ayala recolhe a tradição oral para descrever o mundo pré-incaico, as biografias dos doze incas, as festas, canções, práticas religiosas e elementos da literatura oral, bem como informações sobre legislação, administração, agricultura e estatísticas do Império Incaico. Na segunda parte, dedicada à Conquista, ele narra a captura e assassinato de Atahualpa, acontecimento que nos interessa aqui pelas possibilidades que abre para uma reflexão sobre o conflito da sociedade de memória oral com aquelas de memória escrita (PIETSCHAMANN,1936:XX e XXI). O encontro do Inca Atahualpa com Francisco Pizarro (1532), na Praça de Cajamarca, atinge o seu ponto mais dramático, quando o padre Vicente Valverde, com uma bíblia na mão, explicou ao Inca as verdades da fé cristã, exigiu-lhe que adorasse a cruz e ouvisse a palavra de Deus. Atahualpa pediu o estranho objeto, olhou, tocou, colocou no ouvido para escutar a voz divina e, nada ouvindo, jogou o livro fora. O padre, indignado pelo que considerou como heresia, apelou aos seus soldados. A tropa disparou os canhões e os arcabuzes, lançou os seus cavalos sobre o exército de Atahualpa e “começou a matar índios como formigas”, na descrição de Poma de Ayala (POMA DE
AYALA, 1987: t. 29b: 393). A seqüência dos fatos recebe versões enriquecidas de outras fontes. O Inca, preso, seqüestrado e negociando o seu resgate, conviveu por um ano com os seus raptores. Foi aprendendo a língua espanhola, a jogar xadrez – não perdia uma partida – e assim foi compreendendo a importância que aquele objeto estranho – o livro – tinha na vida dos conquistadores. Um dia, ele solicitou a um de seus carcereiros, que escrevesse na unha de seu dedo a palavra Deus. E então pediu