texto individual
Lá pelas três da matina, em 23 de dezembro, toca o telefone. Meio dormindo, meio acordado guia uma mão perdida pela escuridão do quarto para tirar o fone do gancho. A cobrar...
Já escolado, Aurélio desliga o telefone antes que o aviso terminasse. Acende a luz para conseguir encaixar o fone amontoado sobre o criado-mudo de volta à base.
Há cerca de um ano e meio, sua prima passou por perrengue semelhante, que envolvia a ameaça de bandidos no mesmo esquema: uma ligação tarde da noite a cobrar que vira ameaça. Por conta das coisas escabrosas que lhe falaram, ganhou alguns cabelos brancos. No entanto, não perdeu nenhum tostão.
Aurélio se vira na cama, cobre-se, xinga ou balbucia qualquer coisa.
Quase pegando no sono novamente, ouve o seu celular tocando. Não era nenhuma chamada identificada, dava para perceber pelo toque padrão do Mozart, reduzido a alguns tons monofônicos.
Aurélio se levanta para atender ao aparelho, cuja bateria estava carregando na cozinha. Coloca os chinelos de um jeito desajeitado e tropeça no tapete do corredor.
Ao apertar o fone verde, ouve novamente o aviso de ligação a cobrar. Solta um "saco" e desliga o aparelho. Ao voltar para o quarto, tira o fone do gancho. Aurélio quer paz.
Aurélio volta a dormir e então salta da cama, assustado. Alguém bate à porte em alto e bom som... E ele mora sozinho no apartamento 33 em um condomínio simples na Zona Norte de São Paulo...