Textinho
Quando perguntam como é que eu consegui sair com a Carla, eu respondo que foi por causa do Aldemir Martins. O pintor famoso.
Eu estava, tranqüilo, estudando. Juro. Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.
A mãe morreu há uns quatro anos. O pai é superciumento, não a deixa satir de casa nunca.
- Oi, Rodrigo... Você tem um gato grande, malhado?
- Tenho. O nome dele é Sorvete.
- Sorvete?
- Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.
- Ele briga com a minha gata, a Tati. Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.
- De outro gato?
- Não. De um quadro. Uma pintura. Do Aldemir Martins.
Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.
- Você vai ver - ela disse.
- É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?
- Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.
- Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele ilustrava livros, revistas, jornais... Pintava cangaceiros, galos, passarinhos, peixes...
- Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho...
- Minha mãe comprava tudo que podia. A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de banheiro...
Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo, vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos verdes calmos, hipnóticos.
- Minha mãe adorava esse quadro.
Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava pro jardim.
Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro, olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até que ele apareceu. O velho Sorvete. O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou na frente da lareira, olhou