São paulo
A tragédia da metrópole que prometia ser modelo de civilização cosmopolita e hoje vive aturdida, sem saber como sair do caos
Nicolau Sevcenko
(Texto a partir de um percurso pela terceira maior cidade do mundo)
Revista Carta Capital, 29/09/1999
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"Eu adoro esta cidade.
São Paulo é como o meu coração
Aqui nenhuma tradição
Nenhum preconceito
Nem antigo nem moderno
Só contam esse apetite furioso essa confiança absoluta
Esse otimismo essa audácia esse trabalho esse esforço
Essa especulação que faz construir dez casas por hora
De todos os estilos ridículos grotescos belos grandes pequenos
Norte e sul egípcio yankee cubista
Sem outra preocupação que a de seguir as estatísticas
Prever o futuro o conforto a utilidade a mais-valia e
Atrair uma enorme imigração
Todos os países
Todos os povos
Eu amo isso..."
Com esse poema, uma das peças mais sutis já escritas sobre a cidade, o poeta franco-suiço Blaise Cendrars saudou a capital paulista quando aqui esteve em meados dos anos 20.
Ele era naquele momento o poeta mais importante no contexto da arte moderna. Membro do grupo de artistas associados ao circulo de Picasso, ele e Apollinaire haviam criado a poesia cubista. Após a Grande Guerra ligou-se a Jean Cocteau, Fernand Léger, Darius Milhaud e aos Balés Russos de Diaghilev, empolgando a cena parisiense e o mundo da cultura.
Que ele tenha se apaixonado por São Paulo, para onde voltou várias vezes nos anos 20, diz muito e talvez o essencial sobre o sentido histórico da cidade.
Fundada pelos padres no início da colonização do Brasil, ela nasceu como um projeto ambicioso de utilizar o curso do Tietê para o interior, com vistas a alcançar as profundezas do território e a constituição de um gigantesco império jesuítico-guarani.
O pauperismo dos recursos, entretanto, levou a população, predominantemente mameluca, a optar pela escravização e venda dos indígenas