Sontag 1 Caverna Platao
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Susan Sontag
Ensaios Sobre Fotografia
Lisboa, Publicações Dom Quixote (Colecção: Arte e Sociedade, nº5, 1986, 178 pp.
Título original: “On Photograhy” (Penguin Books)
ÍN D IC E G ER AL:
• Introdução (p.11)
• N a C averna de Platão (p.13-32)
• A América Vista Através de Fotografias, Sombriamente
• O bjectos Melancólicos (p.53-80)
• O H eroísmo da Visão (p.81-104)
• O s Evangelhos Fotográficos
• O Mundo das Imagens (p.135-158)
• Breve Antologia de C itações (H omenagem A W . B.) (p.159-178)
NA CAVERNA DE PLATÃO
A humanidade permanece irremediavelmente presa na Caverna de Platão, continuando a deliciar-se, como é seu velho hábito, com meras imagens da verdade.
Mas ser-se educado por fotografias não é o mesmo que ser-se educado por outras imagens mais antigas e mais artesanais. Na realidade, a quantidade de imagens que nos rodeia e exige a nossa atenção é agora muito maior. O inventário teve o seu início em 1839 e desde então tudo, ou quase tudo, parece ter sido fotografado. Esta insaciabilidade do olhar fotográfico altera os termos da reclusão na caverna, o nosso mundo. Ao ensinar-nos um novo código visual, as fotografias transformam e ampliam as nossas noções do que vale a pena olhar e do que pode ser observado. São uma gramática e, mais importante ainda, uma ética da visão. Por fim, o resultado mais significativo da actividade fotográfica é dar-nos a sensação de que a nossa cabeça pode conter todo o mundo — como uma antologia de imagens.
Coleccionar fotografias é coleccionar o mundo. Os filmes e programas de televisão iluminam os écrans, vacilam e desaparecem; mas na fotografia a imagem é também um objecto, leve, barato e fácil de transportar, acumular e conservar. Em Les
Carabiniers (1963) de Godard dois pobres e preguiçosos camponeses deixam-se atrair para o Exército Real com a promessa de que poderão pilhar, violar, matar ou fazer ao inimigo o que mais lhe agradar, e ainda ficar ricos.