Som e forma
Cecília Cavalieri França Um dia, ainda menina, escrevi um poema. Dizia: Poderia abrir um dicionário e procurar entre palavras vazias algumas que se enchessem de sensibilidade e se transformassem em poema. Nos primeiros anos do aprendizado formal da linguagem, frustrava-me ter que lidar com as palavras de uma forma fria, distanciada e técnica ao passo que enxergava nelas todos os sons, cores, aromas, sensações e afetos. Escrever poemas se transformou, então, em uma necessidade vital. Neles, as palavras poderiam resgatar o papel a que são destinadas: falar de coisas que não elas próprias, tornar-se uma tradução simbólica da nossa experiência através da corporificação específica do discurso poético, como no final do poema: Escrever é sentir cada momento intensamente tragá-los e transformá-los em palavras. Não foi muito diferente minha frustração no aprendizado formal da música. O que antes era vitalidade, fluidez e movimento converteu-se em armaduras, teorias e marcações metronômicas. Momentos ricos em sonoridades e descobertas cederam lugar a disciplinas, datas e fatos. A síncope perdeu um tanto da sua graça quando deixou de ser um instante em que se flutua sobre os apoios para ser “tempo fraco que se prolonga”, etc., na página tal de um livro qualquer. Em uma brilhante conferência realizada em 1998, Terezinha Nunes, então professora titular do Departamento de Psicologia da Universidade de Londres, expressou uma preocupação análoga quanto ao ensino básico de português e matemática. Reconto, em uma tradução livre, um trecho fascinante da sua palestra. No nosso cotidiano, vemos a linha do horizonte sobre o oceano, o céu acima e a terra sob nossos pés. Não temos nenhuma razão aparente para pensarmos que o nosso planeta seja redondo, como também não temos nenhuma dúvida do significado dos conceitos ‘acima’ e ‘abaixo’. Um dia, na escola, nos ensinam que a Terra é redonda, e nos mostram fotos de satélite incontestáveis. Um fato como