Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista
Imperialista*
Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant
O
imperialismo cultural repousa no poder de universalizar os particularismos associados a uma tradição histórica sin gular, tornando-os irreconhecíveis como tais.1 Assim, do mesmo modo que, no século XIX, um certo número de questões ditas fi losóficas debatidas como universais, em toda a Europa e para além dela, tinham sua origem, segundo foi muito bem demonstrado por
Fritz Ringer, nas particularidades (e nos conflitos) históricas próprias do universo singular dos professores universitários alemães
(Ringer, 1969), assim também, hoje em dia, numerosos tópicos oriundos diretamente de confrontos intelectuais associados à particularidade social da sociedade e das universidades americanas impuseram-se, sob formas aparentemente desistoricizadas, ao planeta inteiro. Esses lugares-comuns no sentido aristotélico de no ções ou de teses com as quais se argumenta, mas sobre as quais não se argumenta ou, por outras palavras, esses pressupostos da discussão que permanecem indiscutidos, devem uma parte de sua força de convicção ao fato de que, circulando de colóquios universitários para livros de sucesso, de revistas semi-eruditas para relatórios de especialistas, de balanços de comissões para capas de magazines, estão presentes por toda parte ao mesmo tempo, de Berlim a Tóquio e de Milão ao México, e são sustentados e intermediados de uma forma poderosa por esses espaços pretensamente neutros como são os organismos internacionais (tais como a OCDE ou a
Comissão Européia) e os centros de estudos e assessoria para po lí* Agradecemos à Editora Vozes por nos ter gentilmente permitido a reprodução deste artigo, originalmente publicado em P. Bourdieu & L. Wacquant, “Prefácio: Sobre as Artimanhas da
Razão Imperialista”, in P. Bourdieu, Escritos de Educação, Petrópolis, Vozes, 1998. Mudanças na forma foram necessárias para a adaptação do texto às normas editoriais da revista Estudos