Seu bichinho está ficando mais rico que você!
Cláudio de Moura e Castro
(Veja, 08/10/1997)
Terminando os poucos anos de escola oferecidos em seu vilarejo nas montanhas do Líbano, o jovem Wadi Haddad foi mandado para Beirute para continuar sua educação. Ao vê-lo ausente de casa por um par de anos, a vizinha aproximou-se cautelosa de sua mãe, jurou sua amizade à família e perguntou se havia algum problema com o rapaz. Se todos os seus coleguinhas aprenderam a ler, por que ele continuava na escola? Anos depois, Wadi organizou a famosa Conferência de Jontiem, "Educação para Todos", mas isso é outro assunto. Para a vizinha libanesa, há os que sabem ler e há os que não sabem. Não lhe ocorre que há níveis diferentes de compreensão. Mas infelizmente temos todos o vício de subestimar as dificuldades na arte de ler, ou, melhor dito, na arte de entender o que foi lido. Saiu da escola, sabe ler.
O ensaio de hoje é sobre cartas que recebi dos leitores de VEJA, algumas generosas, outras iradas. Não tento rebater críticas, pois minhas farpas atingem também cartas elogiosas. Falo da arte da leitura. É preocupante ver a liberdade com que alguns leitores interpretam os textos. Muitos se rebelam com o que eu não disse (jamais defendi o sistema de saúde americano). Outros comentam opiniões que não expressei e nem tenho (não sou contra a universidade pública ou a pesquisa). Há os que adivinham as entrelinhas, ignorando as linhas. Indignam-se com o que acham que eu quis dizer, e não com o que eu disse. Alguns decretam que o autor é um horrendo neoliberal e decidem que ele pensa assim ou assado sobre o assunto, mesmo que o texto diga o contrário.
Não generalizo sobre as epístolas recebidas algumas de lógica modelar. Tampouco é errado ou condenável passar a ilações sobre o autor ou sobre as consequências do que está dizendo. Mas nada disso pode passar por cima do que está escrito e da sua lógica. Meus ensaios têm colimado assuntos candentes e controvertidos. Sem uma