Senhora: uma perspectiva crítico-reflexiva
José de Alencar foi o romancista nacional que focalizou o maior número de aspectos da sociedade brasileira. Assim, a sua obra é, além de valioso patrimônio artístico, excepcional documentário do comportamento social e psicológico de sua época. Para Rachel de Queiroz, Alencar ‘ é o verdadeiro pai de nosso romance’. Na realidade, em sua obra encontra-se o gérmen das muitas direções que o romance nacional seguiria na sua evolução. Se buscarmos fixar uma tradição da novelística brasileira teremos que nos deter no autor de Senhora e assiná-lo como um ponto de partida. A história da ficção em nossa terra deve muito ao romancista cearense, não só pelo retrato que nos apresenta de tantos ângulos do chão nacional, dos seus homens e ideias, mas também por sua luta pela imposição de uma linguagem brasileira, de um estilo brasileiro. Alencar é, pois, um romancista brasileiro em função dos assuntos que tratou e da maneira como os tratou. Senhora figura entre os romances mais interessantes do escritor. Interessante pelo enredo, que é rico de situações; pelo movimento da narrativa, que obedece a um ritmo ao mesmo tempo seguro e airoso, e interessante, sobretudo, pelas nuanças e sutilezas psicológicas. Talvez seja essa a história mais teatral de José de Alencar. Nela há a predominância do dramaturgo sobre o romancista. Muitos dos seus episódios e cenas são verdadeiros golpes de teatro. Não sem razão, mais de um autor dramático e mais de um diretor de cinema interessaram-se pelo argumento de Senhora. Se foi um escritor de mitos – dos quais Peri destaca-se como o agreste símbolo de uma legenda selvagem – nem por isso deixou de ser José de Alencar um fiel retratista do tempo e um analista agudo da alma humana, da criatura de Deus limitada por suas paixões e vaidades. É este o caso de Senhora, onde o romancista esmiúça a personalidade de uma mulher, Aurélia Camargo, apresentando-a ao leitor através das contradições que a definem. Mas Senhora não é apenas ‘um