RÁDIO RADICAL
Murray Schafer
(Ear, inverno de 1987)
[Rádio Nova, constelações da radiofonia contemporânea 2 - Rio de
Janeiro: UFRJ, ECO, Publique, 1997. pp 27-39.]
Qual foi a origem do rádio? Que ela não é recente, isto é certo. O rádio existiu muito antes de ter sido inventado. Ele existia sempre que havia vozes invisíveis: no vento, no trovão, no sonho. Ao ouvir a história em retrospecto, verificamos que ele era o sistema de comunicação original através do qual os deuses falavam com a humanidade. Era o recurso utilizado pelas vozes que, livres do mundo dos fenômenos, comunicavam seus pensamentos e desejos aos atemorizados mortais. A voz divina, infinitamente poderosa precisamente por causa de sua invisibilidade, é encontrada com frequência nas religiões antigas e no folclore. Ela é o som de Thor, de Tifeu das cem cabeças, de Mercúrio, o mensageiro. Ela está sempre presente na Bíblia: “Um anjo de Deus disse-me em sonhos: Jacó —
Eis-me aqui, respondi” (Gênesis 31. p. 11).
Naqueles dias não havia nada além de transmissões religiosas. A programação era arbitrária; os programas começavam quando menos se esperava, O poder das transmissões era sempre amedrontador, como quando Javé estrondeia para Já: “Tens uma voz semelhante à minha?”
O rádio continuou a ser um veículo imponente, mesmo depois de sua dessacralização. Lendas contam como os antigos reis da Mesopotâmia e da China podiam transmitir mensagens lacradas em caixas aos governadores de províncias distantes, que ao abri-las ouviam os comandos do rei. Ter uma “audiência” com o rei implicava em não ousar olhar seu rosto. “Audiência” vem do verbo latino audire, ouvir. A mesma raiz fornece a palavra “obedecer” (obaudire), que significa ouvir de baixo.
Ouvir é obedecer.
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Essa é a primeira coisa a ser lembrada ao se falar de rádio. Ele é um veículo temível, porque não se pode ver quem ou o quê produz o som: um excitamento invisível para os nervos. E por isso que o chamo de