resenha
Em cartas inéditas ao colega Robert Lowell, a poeta americana Elizabeth Bishop descreve a literatura, a política e costumes nos anos dourados. "O Rio está mais louco do que nunca", ela escreveu. "Falta água e o gás anda escasso; em cada edifício só um elevador funciona e há filas intermináveis, quarteirões inteiros para pegar os ônibus miúdos. Enquanto isso o Brasil está construindo uma capital novinha em folha, longe, no interior, onde sequer existia uma estrada um ano atrás"
Ah, turista, então é isso que este país tão longe ao sul tem a oferecer a quem procura nada
[menos
que um mundo diferente, uma vida
[melhor?
"Chegada em Santos", 1952, tradução de Paulo Henriques Britto
Em novembro de 1951, a poeta americana Elizabeth Bishop embarcou em Nova York num navio mercante para o que seria uma longa viagem em redor da América do Sul. Aos 40 anos, acolhida nos meios especializados como revelação promissora, ela havia publicado apenas um livro. Vivia da fortuna deixada pelo pai e enfrentava crises sucessivas de alcoolismo. Desembarcou em Santos, mas seguiu de trem para o
Rio de Janeiro, onde pretendia visitar amigos americanos radicados na capital do Brasil. Ficaria duas semanas para então retomar viagem num próximo cargueiro.
No Rio, provando da hospitalidade dos nativos, ela mordeu um caju, fruta que lhe pareceu "indecente", e foi acometida por violenta alergia, que deformou suas feições a ponto de impedi-la de enxergar por dias.
Escreveria depois que se afeiçoou aos brasileiros por causa das atenções, receitas e mandingas que prodigalizaram a uma desconhecida - uma mulher retraída, asmática, criada por familiares (a mãe permaneceu em internação psiquiátrica a partir da morte prematura do pai) na atmosfera exigente das melhores escolas da Nova Escócia, no Canadá, e de Massachusetts, nos Estados Unidos. Aqui nos trópicos, num país "sem classe média",