Resenha de Capitães de Areia, AMADO, Jorge.
- Escrevi muito atacando a república velha, doutor; sacrifiquei-me, endividei-me, estive preso por causa da ideologia, doutor.
Angústia – Graciliano Ramos
Jorge Amado é um daqueles escritores que, em uma escritura aparentemente simples, tangenciam o real ao ponto de esmiuçar um evento banal, circunstancial, destilando dos seus elementos um invisível que se esconde por meio da rotina, do hábito sempre o mesmo que nos condiciona à vida cotidiana falsamente tornada, aliás, como única possibilidade possível para o transcorrer dos dias.
Em linhas gerais, Capitães da areia (1937) é um romance que retrata, em uma poética fidedigna apoiada no realismo acurado de Amado, o dia-a-dia de um grupo de rapazes marginalizados que são conhecidos e se autodenominam por “Capitães da areia”. Chefiados por Pedro-Bala, menino órfão filho de um grevista apelidado de “Loiro”, morto quando Pedro nem bem contava dez anos de idade; menino solitário na Bahia de pluralidade cultural impar, e de uma segregação social/econômica igualmente impar, faminto, o menino junta-se a outros famintos, os já existentes “Capitães da areia”, tornando-se, em uma briga que lhe impinge uma profunda cicatriz ao queixo, líder do grupo em alguns anos.
Dentre os pertencentes ao grupo, que são mais de cem ao todo, alguns se destacam, como Sem-Pernas, Gato, Pirulito, Boa-Vida, João Grande, Volta-Seca, Professor e Dora, além de personagens que orbitam ao redor do universo dos meninos: Padre José, João de Adão, os Policiais, o Diretor do Reformatório, entre outros. Convivendo em um mesmo espaço, a Bahia de todos os santos, Jorge Amado demonstra como a cidade se mostra aberta e múltipla, contendo em si contradições disparatadas, do morro às joias de ouro guardadas nas casas, e como os Capitães da Areia utilizam-se dessas brechas, subterfúgios, de uma dialética da malandragem, como diria Antônio Cândido (1970), para sobreviverem em um ambiente que se mostra, a um só tempo, aconchegante,