Renascimento
Klaas Woortmann
Introdução.
O período do chamado Renascimento, que se inicia em algum momento do século XV, variável segundo o ângulo que se privilegia, até se dissolver na modernidade, em outro momento de difícil definição no século XVII, marca o início de uma profunda transformação na cosmologia ocidental. O presente trabalho enfoca uma dimensão dessa transformação: a relação entre religião e ciência, e o primeiro passo do processo ambíguo de separação entre as duas na constituição de campos intelectuais autônomos. Se ciência e religião são hoje, em boa medida, pensadas como opostas, a ciência ocidental se constituiu no interior do campo teológico, ou pelo menos em estreita relação com ele, e o Renascimento é um momento privilegiado para o exame desse processo. Não existe qualquer linearidade nesse processo, como se verá no decorrer deste trabalho. Por outro lado, não estou aqui interessado em sequências de eventos ou em relações de causa e efeito. Percebo o Renascimento como um contexto e me interesso por significados, mais do que por uma história de acontecimentos. Este não é um trabalho de história da ciência, pois não sou historiador, nem tampouco de filosofia, pois não sou filósofo. Embora tenha me valido de historiadores e de filósofos, o que busco fazer é considerar o Renascimento como um contexto de idéias, um contexto cultural onde ciência e religião são interlocutores mútuos - mesmo que por vezes o diálogo seja de surdos. A relação entre religião e ciência tem sido um tópico recorrente da Antropologia, ao longo de sua história. Mas, essa relação tem sido vista mais como oposição, assim como a relação entre magia e ciência. Recordemos Frazer e Tylor, ou os chamados "evolucionistas". Por outro lado, a Antropologia tem posto muito mais ênfase na religião (ou na magia) que na ciência, permanecendo esta última com uma espécie de pano de fundo contra o qual se constrói a teoria da religião.